Realizou-se no passado fim de semana o Festival Internacional de Jogos Tradicionais na Guarda. Estiveram presentes cerca de 120 participantes, das 46 delegações de 9 países. Parabéns à organização.
No antigamente em Benespera entre o Natal e o Entrudo faziam-se as matanças. Este acontecimento era sempre associada a uma reunião familiar em ambiente de festa. A matança tinha um ritual curioso: apanhar o porco no cortelho, colocá-lo no banco comprido, queimar os pêlos com palha, fazer-lhe a barba, lavá-la com pedras, pesá-lo e comer o primeiro petisco. As mulheres iam lavar as tripas à ribeira e faziam as morcelas. As chouriças e as farinheiras eram feitas mais tarde. Havia um almoço e jantar melhorado, como nos dias de festa. Depois do jantar, seguia-se o serão onde a “sueca” tinha presença obrigatória para os homens.
Abriu no Bairro Alto a primeira loja de brinquedos tradicionais portugueses. Ana Garcia Martins fez uma viagem no tempo. A memória tem destas coisas. É traiçoeira, falha em momentos importantes, não perdoa a idade. Mas também guarda coisas num qualquer recanto obscuro. Na Antes e Depois, a primeira loja de brinquedos tradicionais portugueses, a memória trabalha a cem à hora, recupera lembranças que julgávamos irremediavelmente desaparecidas. E uma visita pode mesmo acabar em lágrimas. Assim que se entra inicia-se a viagem de regresso ao passado e o processo de reconhecimento. E é fácil entrar em histeria perante brinquedos que nos entretiveram na infância, mais ou menos longínqua. Há réplicas e peças originais dos anos 50 até aos anos 90, por isso é normal que se corra para um brinquedo que foi o de eleição em tempos passados. Emoções ao rubro. “As pessoas associam-se sempre a um brinquedo. Há um lado emocional. Quase toda a gente entra e diz ‘adorava isto quando era pequeno, já nem me lembrava que existia’. Já tivemos pessoas que entraram aqui aos gritos”, diz Paulo Rebelo. Aliou a sua paixão por brinquedos à do sócio, Carlos Ferreira, e juntos lançaram-se nesta aventura. “Achámos que devia haver mais alguém a gostar disto, não havia nenhuma loja do género e queríamos divulgar o brinquedo português. Se o temos por aí perdido, porque não trazê-lo cá para fora?”. Os brinquedos são comprados a lojas que fecharam portas, outros são réplicas perfeitas feitas pelos poucos que ainda se dedicam ao negócio. “Começámos a fazer pesquisa de fábricas portuguesas, de lojas que pudessem ter stock. E começa a ser cada vez mais difícil encontrar brinquedos portugueses”, lamenta Paulo Rebelo. A ver pela amostra, ninguém diria. Pelo espaço da Antes e Depois distribuem-se cavalos de madeira, pandeiretas, telefones de plástico, ioiôs, carros e eléctricos de lata, barcos e aviões, tambores, pistolas de fulminantes, moinhos, camiões, guitarras, cordas de saltar, serviços de cozinha em plástico, marionetas, cornetas, sacos de berlindes. “Há coisas que são um verdadeiro sucesso: o jogo Quatro em Linha, os peões de madeira, as ardósias ou as gaiolas para os grilos”, assegura António Ferreira, acrescentando que o negócio está a correr bem. Os preços ajudam. Os berlindes custam 2€, um serviço de cozinha 5,50€, um táxi lisboeta 12€. “A ideia não era vender a preços de antiquário ou de coleccionismo, porque isto não é uma casa de velharias. Compramos as coisas de modo a que sejam acessíveis.” A complementar os produtos nacionais, algumas peças vindas lá de fora. Como os insectos feitos a partir de latas de insecticida, do Burkina Faso, ou os bonecos da Tailândia. Importante é que mexam com as pessoas. E há quem peça coisas que não estão na loja: carrinhos de rolamentos, varas para empurrar os aros, limões de plástico para pôr à volta do pé e saltar, um hit dos anos 80. “Está a haver uma espécie de retorno ao material. Isto não pode ser tirado da internet, é uma coisa única”, diz Paulo Rebelo. “Há muitos pais a comprar brinquedos para os filhos, mas é para reviverem a infância deles. E as pessoas gostam muito da loja, perceberam logo o conceito, acabam sempre por contar histórias. Para nós isto é mais do que um negócio, é uma paixão.” Antes e Depois, Travessa da Espera, 47 (Bairro Alto). 93 430 5562, de seg. a sáb. das 14.00 às 20.00.
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Antes e Depois, brinquedos de sempre… – Reportagem SIC